DESTAQUE da SEMANA

>> Compre já seu ingresso: CLIQUE AQUI .

 

Entre distanciamentos sociais e aproximações românticas

“Se você quer olhar dentro do coração de alguém, então sua única opção é olhar profundamente para dentro de si”, diz Takatsuki para Kufuku. Em uma época de distanciamento social e perda, é difícil falar sobre Drive My Car. Não pelo conteúdo pesado de seus diálogos ou por ser mais uma adaptação de uma obra de Haruki Murakami, mas por ser sincero.

Em três anos de pandemia, perdemos muito. Entes queridos, oportunidades, tempo. Contando os minutos, horas e dias, fomos nos alongando em um constante luto. E ele parece interminável. Sem conclusão, ficamos aqui, flutuando no tempo e espaço, esperando um encerramento de ciclo. Mas como encerrar essas sensações? Como deixar os relacionamentos para trás? Os falecimentos? As mudanças? Ou melhor, o que permaneceu igual e estagnado?

Pelo olhar de Ryusuke Hamaguchi somos puxados por tantas questões e nenhuma resposta. Kufuku, que viveu na sombra de casos extraconjugais mantidos por sua esposa Oto, termina sua jornada sem conseguir responder qualquer uma das questões que lhe afligiam. A sua única certeza é que, em algum momento, vai ficar tudo bem. Precisa ficar tudo bem.

Isso porque mesmo cercado de destroços, ainda há a possibilidade de se reerguer e encontrar algum caminho. Diferente do conto de Haruki, que é situado em Tóquio, o longa é ambientado em Hiroshima. Atravessamos, com os personagens, ruas calmas e monumentos de paz, que tentam preservar as memórias assombrosas das bombas atômicas, mas também dar a sensação de encerramento. De que, de alguma forma, ficou tudo bem.

Mas, mais difícil do que se livrar dos escombros, é lidar com a culpa do sobrevivente. Com uma narrativa bem similar a de Acima das Nuvens, filme protagonizado por Juliette Binoche e Kristen Stewart, o espectador cai na mente dos personagens através de conversas densas. A partir disso, tentamos compreender o que move e machuca essas pessoas tão singulares, suas perdas e como lidam, ou não, com elas.

É angustiante como nada parece acontecer na tela, mas é uma jornada necessária para compreender o que não é dito. Curiosamente, às vezes, é repetitivo. Ao separar o filme em trabalho teatral e realidade, muitas questões permanecem de forma insistente na tela. Mas há um cuidado para que não aconteça das quase três horas de filme se tornarem cansativas.

Pelo contrário, esperamos por respostas tanto quanto o protagonista. Tentamos encontrar alguma coisa que nos acalenta, que nos ajude a superar também. Também estamos de luto. Também estamos perseverando. Assim como o Tio Vânia da peça, estamos sofrendo, tentando sair desse poço sem fundo que se tornou a pandemia. Mesmo com seu final otimista, é curioso pensar que não há receita de bolo.

Não há um jeito certo para seguir em frente. Leva tempo. Como as viagens de carro e as fitas com os ensaios de Kafuku. Elas levam tempo para serem feitas, mas também para serem memorizadas. Nada é de uma hora para outra. Nada é instantâneo. Muito menos Drive My Car. Um filme que consegue dizer muito mais do que já diz.

>> Compre já seu ingresso: CLIQUE AQUI .

_Fonte:
Junno Sena
Legião dos Heróis

CRÍTICA da SEMANA

>> Compre já seu ingresso: CLIQUE AQUI .

 

Se tem uma coisa que sempre me impressiona no cinema de Paul Thomas Anderson – PTA para os íntimos – não é a regularidade da sua filmografia, característica que é bem comum dos grandes cineastas. Chama-me atenção sim o ótimo poder emocional que ele tem em narrar histórias intimistas que abordam amor, solidão e redenção dentro das jornadas cinematográficas a que se propõe oferecer aos seus personagens, os tirando das zonas de conforto juntamente com o espectador que acompanha do outro lado da tela.

Licorice Pizza reúne estas características acima citadas, para contar pela terceira vez, uma história de amor na carreira do diretor. Passado nos anos 1970, temos a relação entre Gary (Cooper Hoffman), que apesar da pouca idade – 15 anos – já é um adolescente prodígio, ator de uma série televisiva, empreendedor precoce do mundo dos negócios e que acaba se apaixonando à primeira vista por Alana (Alana Haim, cantora da banda pop Haim em sua estreia nos cinemas), uma jovem adulta judia de 25 anos, indecisa, mas que sonha ser atriz. A diferença de idades não impede de eles estabelecerem uma atração platônica e volátil no Vale de São Fernando, subúrbio de Los Angeles.

Nota-se neste novo trabalho que o cineasta faz um filme claramente autobiográfico e pessoal – as escolhas de Cooper, filho do saudoso e inesquecível Philip Seymour Hoffman, ator que mais trabalhou com o cineasta e Alana, cuja banda Anderson dirigiu vários clipes, são indicativos disso – que mergulha no subúrbio americano californiano dos anos 1970 para falar sobre a docilidade juvenil e sua delicadeza, a partir dos encontros e desencontros que Gary e Alana tem durante as suas trajetórias de vida.

CORRER COMO ATO APAIXONADO

PTA já na primeira cena do filme – com o seu habitual plano-sequência – deixa claro que estamos diante de um filme romântico, cuja câmera capta o espírito gracioso da dupla protagonista, além de traduzir a atmosfera minuciosa na sua estranheza visual, narrativa e na elaboração dos personagens. Aqui, a descoberta do amor e o quanto ele é um facilitador no processo de autoconhecimento na relação entre Gary e Alana, ajuda ambos a romperem os bloqueios emocionais e assim se relacionarem de uma maneira madura entre eles, com o mundo e nas relações a sua volta.

Em Licorice Pizza, passar o tempo em movimento é uma forma de conhecer profundamente a pessoa que se ama, o que explica o casal estar sempre correndo durante o filme, talvez em busca de algo, talvez em fuga deles mesmos, talvez em experimentar a mesma sensação de conexão do primeiro encontro. Por mais que os caminhos do casal se desenlacem, eles sempre estarão a espera um do outro, afinal o verdadeiro amor adolescente não é isso? Do medo natural ao prazer que a juventude proporciona, das reações espontâneas nas experiências de primeira viagem que contribuem na jornada de amadurecimento, da inocência na descoberta do primeiro amor e os sentimentos e laços que percorrem a relação à dois na busca pela segurança afetiva.

São dentro destas temáticas, fatiadas em formato de pizza e fermentadas para impulsionar a sua narrativa episódica, que PTA revela urgência e o arrebatamento dos impulsos juvenis de Gary e Alana como se os dois corressem desenfreadamente para não deixarem a paixão e o medo proveniente dela, escapassem de suas mãos. A alegoria do “correr” nada é mais do que uma necessidade de viver a paixão na sua intensidade.

O sentimento saudosista que o diretor impõe neste coming of age de descobertas ajuda a costurar homenagens ao cinema clássico romântico com diversas referências a filmes, atores, séries e situações ao mundo hollywoodiano era do auge da Nova Hollywood – a participação dos grandes Tom Waits e Sean Penn, este uma espécie de personagem paródia de William Holden, escancaram este olhar cínico do cineasta em torno desta época – e até mesmo em pincelar memórias nostálgicas para pontuar as conversas reminiscentes e puramente românticas entre eles. É como se todo o filme fosse formado por pequenos contos que navegam por situações prosaicas, surreais e que se valem do humor absurdo e do romance peculiar bem especial na sua maneira de falar sobre um período cinematográfico mágico no imaginário cinéfilo.

A ENCANTADORA QUÍMICA DE ALANA E COOPER

Gosto ainda da forma que Anderson dimensiona as personalidades do casal, com a ousadia e inovação de Gary nos negócios sendo uma alegoria sobre sucesso do movimento da Nova Hollywood e do empreendedorismo capitalista americano. Já Alana retrata o naturalismo da descoberta e da vocação, lidando com um mundo masculino que praticamente a deseja e a descarta em relação aos desejos, uma representação complexa sobre a arte mais genuína e autoral dentro do cinema.

Essas sensações só são possíveis porque Cooper Hoffman e Alana Haim defendem com excelência seus personagens. O primeiro traz a confiança – herdou isso do gene do pai – o charme e a inocência de Gary ao mesmo tempo que mostra uma intepretação sólida em expor a mentalidade de um homem de 40 anos do seu personagem, indo do menino ao homem com uma grande naturalidade.

Ela empresta não apenas seu nome e sua família na constituição do elenco, como também irradia sua personagem com uma força de carisma e sarcasmo, sempre utilizando sua beleza não-convencional para magnetizar o público, facilitada pela fotografia de Michael Bauman que utiliza rompantes de luz solar invadindo a tela e reiterando o brilho dela.

PEQUENOS EXCESSOS

Apesar destas ótimas qualidades, é perceptível que Licorice Pizza não é tão sólido como os outros filmes de Anderson. Ainda que siga uma direção particular de intimidade com seus atores e personagens, há uma vasta coleção de personagens secundários e subtramas que acrescentam muito pouco a trama principal do filme.

Diferente do que aconteceu em Boogie Nights e Magnólia onde os subenredos se faziam muito presente e dava sustância a história principal, em Licorice Pizza temos situações e pessoas que aparecem do nada para depois sumirem, sem deixar saudades ou darem relevância a trama amorosa. Exemplo disso é todo o manual de pequeno empreendedor de Gary que se torna um porre e deixa o filme sem foco e tedioso em certos momentos. Até mesmo a minha cena favorita no filme, a do caminhão sem gasolina que conta com uma ponta inspiradíssima de Bradley Cooper, em versão psicopata com ácido, seria ainda melhor se mais bem contextualizada.

Que fique claro: o filme tem instantes lindos tipo a cena das carteirinhas e outros divertidíssimos como a entrevista na agência de atores, além de recriar o subúrbio californiano com uma trilha esplendorosa – o que falar de Gary correndo entre os carros ao som “Life of Mars” de David Bowie, enquanto temos uma dimensão de fim de mundo causado pela crise do petróleo. Isso não tira a sensação de um filme torto com bons momentos, onde o talento de Anderson de contar grandes histórias se perde em algumas das suas vaidades.

Isso não impede Licorice Pizza de ser uma bela experiência sensorial imersiva, que dentro da sua história amorosa, traz uma mensagem bacana que as sementes do amor ajudam a florescer no amadurecimento juvenil um mundo melhor para nos relacionarmos. Paul Thomas Anderson, sem grandes pirotecnias, faz a arte cinematográfica tocar fundo em nossos corações.

 

>> Compre já seu ingresso: CLIQUE AQUI .

_Fonte:
Danilo Areosa
Cineset